Regina Guerreiro

“Queen Made In Brasil” Jornal Estado de Minas (Arquivo)

Fotos: Marcelo Manzini e paulabreutomas

“As pessoas te elogiam muito. Não sei como, pois eu sou muito corajosa, mas as pessoas estão me elogiando porque eu ando sumida, mas na realidade eu sou uma mulher mais de palavras do que de imagem.”

Conhecida como uma das pioneiras da moda no Brasil, Regina Guerreiro nos concedeu essa entrevista bastante descontraída e mostrou realmente os motivos da celebração dos seus 50 anos de profissão.

Por que o jornalismo?

Por coincidência eu sou jornalista e caí na moda. Comecei na moda quando trabalhava na editora Abril, lá eu fazia a sessão “Garotos”, isso em 1965. 

Como naquela época não existia moda brasileira, eles me colocaram no estúdio, pois haviam algumas grandes confecções de moda. Eu era bem educadinha, falava muito bem, também falava francês e de repente eu descobri a imagem. 

Na realidade eu sou uma mulher mais de palavras do que de imagem. Me apaixonei pela imagem e descobri que a gente pode contar uma história por meio das imagens sem precisar das palavras.

 E como você enxerga as imagens hoje?

Eu acho muito perigoso, pois as pessoas estão desaprendendo a falar. A juventude de hoje fala tudo abreviado. Inclusive eu acho que as futuras gerações não saberão escrever, e sim digitar.

Conte um pouco da sua história na Vogue para os nossos leitores?

Fui para a Vogue e, depois de 20 anos, voltei para fazer a Elle. Comecei a trabalhar na editora Abril na revista Manequim, depois retornei para a Cláudia. Fiz Cláudia Londres, um dos trabalhos mais importantes da minha vida, na minha opinião, devido às pessoas que entrevistei.

A palavra e a imagem começaram a crescer e eu fiquei até os anos 70 na Abril. Depois fui para Nova York fazer um estágio na “Happers Bazzar” e de lá retornei novamente para a Abril, mas a revista que eu ia trabalhar fechou, era Revista 70. Foi aí que tive a ideia de abrir a primeira assessoria de moda do Brasil, a Choc.

Fiquei um bom tempo nesse trabalho. Quando eu voltei de Paris, em 1975, comecei a trabalhar na Vogue.


Como foi trabalhar na Vogue logo quando ela estava estreando no Brasil?

Eu tinha um descompasso muito grande entre o título da revista, a magia do nome Vogue, e a moda brasileira, a roupa fabricada por aqui. 

Às vezes eu tinha que destruir a roupa para construir outra imagem, e comecei um trabalho pioneiro que foi da produção do styling da moda, que naquele tempo era muito mais difícil do que hoje por muitas razões: primeiro porque a roupa era muito ruim mesmo e, segundo, porque não existia computador e essa tecnologia que temos hoje. Então o clique tinha que ser mágico naquele segundo, não dava para arrumar depois.

Fale um pouco sobre a frase “nada se cria e tudo se recria”, que você usa com frequência

Essa frase é do Cardin, não é minha, mas é verdade. Atualmente a moda vive muito mais de memória do que de imaginação, então é um tal de anos 50, depois volta para os 40, depois 80 e 70 e acaba virando um tédio.

É uma reprise falar de gerações passadas. É o que acontecerá de agora em diante, e não estou falando só do Brasil, estou falando do mundo. Eu acho que hoje existe o comodismo e nós poderíamos evitá-lo.

Com toda essa bagagem de moda, como você faria uma avaliação cronológica?

A moda, de modo geral, está muito banalizada. Hoje tudo é moda. Uma marca de whisky é moda, uma marca de automóvel é moda.

Então a coitadinha da palavra moda ficou separada dela mesma. Quando eu comecei haviam marcas de roupas e, nesse tempo, há 50 anos, eu diria que nós melhoramos muito em termos de tecnologia, ou seja, temos roupas muito bem feitas no Brasil. A palavra criação é muito ampla e delicada. 

Observando o mundo eu vejo menos criação e mais memória, então eu não acredito que nós estamos criando a moda brasileira, pois o mundo é uma aldeia global. Todas as lojas estão em todos os lugares. A mesma Prada que está em Paris está em Londres e em São Paulo.

Então esse conceito de moda brasileira é bairrismo, é uma bobagem. Nós temos o complexo de terceiro mundo que impede um pouco a liberação da criação. Queremos parecer franceses e não assumimos o fato de estarmos no Brasil.

E o Brasil é um pais novo, não temos um passado. Nós não temos uma cultura de moda, você não pode comparar a cultura da Europa com a da América do Norte. A cultura brasileira deve ter menos medo de repetir uma roupa do que três que são fast fashion e que são duvidosas. Na primeira lavada diz adeus…

O que você quer dizer quando fala que a moda é um dos egos?

A moda é o trip, então a pessoa gosta tanto dela mesma que se auto-transforma. Mas as pessoas mais tímidas se escondem atrás de uma universalização de moda, pois tudo pertence a um grupo. Existe o egotrip e o grupo trip e estamos vivendo um momento de pouco ego. 

O auge da egotrip foi nos anos 70, quando realmente as pessoas faziam o que queriam, colocavam uma pena na cabeça, andavam com roupas loucas, puxavam muito fumo…

Esse tempo passou, estamos em uma época mais industrializada, a economia super oscilante no mundo, fazendo com que as pessoas se escondam atrás de grupos. A moda hoje é muito mais uniformizada e menos egocêntrica.

 Como você avalia as influencers?

É claro que hoje em dia, entre uma mulher que custa 20 mil dólares e cinco que custam cinco dólares, contrata-se as cinco jovens. Então nós jornalistas de moda que formamos e fizemos a moda verdadeiramente acontecer nos sentimos invadidas.

Essa epidemia blogueira corresponde a uma realidade da moda, pois ela é um sonho a partir do desejo e a moda tem que ser realidade. Um monte de gente fala sobre moda hoje, é lamentável, pois muita coisa não tem fundamento. Eu me lembro que quando comecei a trabalhar levava um grande volume de roupas para uma indústria e o dono perguntava: “Você gosta?”.

Você ajudou a construir várias carreiras dentro da moda. Eu  já entrevistei várias pessoas importantes da área, como  Paulo Martinez e Paulo Borges. Fale um pouco sobre isso.

Elas passaram por mim, umas desabrocharam e outras morreram na praia. Eu tive uns 200 assistentes. O Paulo Borges é o homem da moda no Brasil.

Ele é genial, pois conseguiu colocar a moda na cabeça do brasileiro. Já o Paulo Martinez pegou na minha mão e desabrochou. Eu sinto na mão deles a minha mão, sinto na boca deles a minha boca e isso é muito revigorante.

 Futuro?

Blog diretamente ligado ao grupo francês.

Moda masculina?

Não temos indústria para a moda masculina crescer tão rápido. Um bom exemplo é a Osklen. O homem urbano que anda de terno e gravata está acabando.

As coisas estão mais simples hoje em dia. Com exceção de um banqueiro ou um alto executivo, as pessoas estão se vestindo de forma mais simples. Se você quer um terno masculino sob medida existem pouquíssimas pessoas que fazem.

A moda feminina devia copiar e andar mais ao lado da masculina, pois a moda masculina é muito mais inteligente.

A roupa masculina vai para o dia a dia e a feminina se perde no babado e no decote. Nós não temos a alfaiataria de Londres e da Itália, que são as melhores do mundo, mas temos muita coisa boa. Moda masculina tem que ter humor, que é um sintoma de inteligência. Não é afeminado, é humor.

 Regina, o que você gostaria de falar para o nosso público?

Acho que o estilista brasileiro deve olhar para o Brasil e produzir uma moda que corresponda com o comportamento dos brasileiros. Nós temos outros ritmos e outras necessidades. Eles devem adivinhar o desejo do brasileiro. Por isso a Chanel não se importava com cópias.

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