Entrevista seu João Bar do Marcinho
Lucas Machado – Entrevista seu João Bar do Marcinho
Publicação: Outubro / novembro 2005
Revista: Ragga 03 – Jornal Estado de Minas
Primeiramente é muito difícil conversar com um treieiro, biker ou até mesmo com um jipeiro, sem ouvir falar no nome dele. Respeitando por alguns e até devotado por outros, todos conhecem João Gabriel Rodrigues, o famoso “seu João”, sujeitinho simples e iluminado.
“Seu João” é um verdadeiro guerreiro, guardião de causos fantásticos, que sobretudo o acompanham durante todos esses anos; um Forest Gump nato. Definitivamente, aos dez anos de idade mudou-se para São Sebastião das Águas Claras, na cidade de Nova Lima, local conhecido como “Macacos”.
Foi lenhador, carregava a lenha de jegue para vender no Mercado Central de Belo Horizonte. Trabalhou em quase todas as mineradoras da região, historicamente marcada pelos longos e montanhosos caminhos do ouro das Gerais.
Bom de prosa, muito alegre, é um homem folclórico. Segundo Gustavo Jacob, presidente do Trail Clube de Minas Gerais (TCMG), “Seu João” é o grande mestre dos treieiros. Já Marcinho, filho dessa figura, afirma: “esse veio é doido demais”!!!
Numa quinta-feira, dia 15 de setembro, às 9h30 da manhã, em Macacos, na Pousada do Seu João. Aí vem ele! Cabelos grisalhos, cigarrinho na mão, camisa de manga, barba por fazer e um bonezinho com os seguintes dizeres: Poderoso e Gostoso. Foi assim que ele recebeu nossa equipe para a seguinte entrevista:
Quando o senhor chegou a Macacos?
Quando eu tinha dez anos de idade minha família vendeu o terreno de Mutuca e vim com minha mãe para Macacos.
Como era Macacos naquela época?
Não tinha estrada e nem energia elétrica. Em outras palavras, não tinha nada, só terra e muita poeira.
O senhor é casado? Quantos filhos tem?
Casei com Conceição Rodrigues, em 21 de janeiro de 1967. Tenho nove filhos, cinco mulheres e quatro homens.
Todos trabalham com o senhor? Como é essa relação?
Eu fico aqui na pousada e no bar. O meu filho Marcinho trabalha e é gerente no bar, os outros trabalham no bar também, menos duas filhas que já estão casadas.
Sabemos que o senhor tem muitos casos para contar. Fala prá gente, de qual caso o senhor mais gosta?
Gosto das mais engraçadas. As pessoas podem contar de novo. Tem os casos da estrada. Quando chovia as pessoas largava a comida no prato e saiam correndo, por que os carros não subiam a ladeira da estrada…
Era um tal de empurrar carro…Era muito divertido, só CE vendo! Mas o melhor mesmo, é que quando começamos a trabalhar, os treieiros passavam aqui e encomendavam a galinhada, pra comerem depois da trilha. Eles voltavam dez horas da noite, morrendo de fome e eu matava a galinha na hora e ia cozinhar. Eu falava: as galinhas tão dormindo, como que eu vou matar elas, sô?
O senhor tem algum sonho?
Meu sonho é esta pousada. Foi muito engraçado, a coisa do funcionário que virou patrão. Eu nunca imaginava que iria comprar essa terra e agora ela é minha.
Como é sua rotina seu João?
Acordo de manhã e rezo, sou devoto de Nossa Senhora Aparecida. Levanto 6h30 da manhã e vou cuidar das minhas plantas, depois vejo tudo que tem prá fazer na pousada, atendo os clientes, brinco com eles e vou pro bar do Marcinho. Trabalho de sol-a-sol.
Dizem que o senhor não tira esse boné, por que?
Esse boné eu ganhei, as muiezadas fica me pedindo ele, mas eu falo que poderoso e gostoso só eu. (Risos…)
O senhor assiste Televisão? Gosta de ler?
Eu não gosto muito de televisão, só jornal mesmo…O resto é tudo mentira, e não tenho tempo de ler.
De qual cantor o senhor gosta? Qual é a sua música preferida?
Eu gosto é de forró, qualquer um, mas tem que ser forró.
Quem foi Mário Lúcio, o “Marão”?
Marão era igual um filho pra mim, me ajudou muito. É uma pena ele não estar mais aqui, principalmente, prá ver tudo o que está acontecendo. Sinto muita falta daquele treieiro cabra bom.
Seu João, o povo quer saber: quantos anos o senhor tem e quantos aniversários o senhor realmente faz por ano?
Eles dizem aí que eu tenho 200 anos, porque eu faço muitas festas. Isso é brincadeira deles. Além disso, fazemos quatro festas por ano. Meu aniversário, o do Marcinho, o do bar e a nossa festa junina.
O senhor gosta das festas? Como é fazer festa prá tanta gente, em datas tão especiais pra família do senhor? Já passaram por aqui, Alceu Valença, Marcelo D2, Gonzaguinha, Fala Mansa, Tião Cintura Fina, Jota Quest, entre outros. Qual o senhor mais gostou?
Olha, eu num gosto muito de festa não. Gosto de dançar forró, ah, isso eu gosto muito. Eu ajudo, trabalho no dia, mas na maioria das festas fico em casa. Eu gosto de todas as bandas que passaram por aqui. Mas o melhor foi o Zé Ramalho.
Como foi que surgiu o bar do Marcinho e por que o nome?
O nome Marcinho, é porque ele ficava abrindo a porteira e cobrava pedágio dos treieiros. Resolvemos então, pôr o nome de “Bar do Marcinho”. Tudo começou assim: o Marcinho abria a porteira para os treieiros, e assim, foi ficando conhecido.
Depois, 1998, ele foi trabalhar no bar do Engenho como garçom. O Marcinho tinha 15 anos quando resolvemos abrir nosso próprio negócio. Entretanto, foi muito difícil, pois não tinha água nem luz elétrica. Não passava carro, a gente trabalhava com geladeira a gás, trazíamos o gelo de Belo Horizonte com a nossa mula, a “Vaidosa”.
A cerveja era na base da cangaia* (cangalha) e gelava no tambor. A estrada era muito ruim e tínhamos que descer com tudo na nossa mula. E assim foi durante muito tempo até que a luz elétrica chegou. Aí ganhamos um pouco de dinheiro e consertamos a estrada. Isto é, hoje as coisas melhoraram bastante.
A mula do senhor chamava “Vaidosa” Como era isso?
Em resumo, ela era muito boa de cela, espirituosa e geniosa, era mula vadia.
O senhor tem um fusquinha. Qual é o nome que o senhor colocou no carro e por quê?
O fusca chama “Itamar”, porque foi na época em que ele era presidente e foi ele que igualou o preço e não deixou mais cair, gostava dele.
A que o senhor atribui todo o sucesso do seu empreendimento, que começou com o Bar do Marcinho e se estendeu, agora, com a pousada e o atelier de velas do seu outro filho, o Marcelo?
Muito trabalho, humildade e, principalmente, um bom atendimento. Enfim, tratando todos do mesmo jeito.
Qual recado você daria para os jovens de hoje? E uma dica para quem está começando a andar de moto e quer vir conhecer Macacos?
Antes de mais nada nunca desfaça de outra pessoa sem conhecê-la. Não leve a vida de qualquer maneira, igual boy. Não gosto de playboy. A coisa mais importante é ser simples e ter amigos. É isso.
Hoje em dia, quase tudo que se fala na mídia é a respeito do desvio do dinheiro público. O que o senhor acha disso? Por acaso o senhor sabe o que é peculato?
Olha, eu acho que ta faltando uma pessoa de pulso pra governar nosso país. Todos que passam por lá querem roubar. Tem até um famoso, um careca. Esse eu não conheço não (risos). E esse tal de, como é que chama mesmo? Peculato**? Esse então, num quero nem conhecer (risos).
*Regionalismo Brasil. Artefato de madeira ou ferro, geralmente acolchoado, que se põe ao lombo das cavalgaduras para pendurar carga de ambos os lados.
**Rubrica: Termo jurídico. Crime que consiste na subtração ou desvio, por abuso de confiança, de dinheiro público ou de coisa móvel apreciável, para proveito próprio ou alheio, por funcionário público que os administra ou guarda; abuso de confiança pública.
Pérolas do seu João
“As vezes o cara é formado, mas é burro.”
“Eu sou uma pessoa popular porque gosto de bater papo, prosear, sabe?”
“Só gosto de forró, num gosto de música doida não.”
“Anota aí: Num deixa de falar isso não. O Marão era igual um filho prá mim.”
“Os dedos da mão não são iguais não.”
“As muié, eu admiro elas. Mais é só prá oiá né? Senão, Conceição briga comigo.”
“Aquelas loiraça mete um forró naquele trem. Elas é tudo gente boa sô.”
Seu João é uma peça. Se tivéssemos pelo menos uns dez como ele, o mundo seria muito melhor. Aproveito para terminar, com as palavras do seu João ao final da entrevista: “Desculpa qualquer coisa, viu?”. Desculpa o que seu João” Rs..
Sobre Lucas Machado Instagram: LUCAS MACHADO